15 dezembro 2011

Peso certo no tatame


Descubra as relações entre desempenho competitivo e nutrição adequada



Por Felipe Gué Martini







A prática esportiva é a arte do movimento, que lida essencialmente com a gravidade. Coletivos e individuais, de marca (recorde), de campo, de precisão, de luta ou estético, os esportes exigem do atleta relações com o tempo e o espaço por meio de sua massa corporal. Nesta equação, velocidade e força coordenadas relacionam-se diretamente com o peso, que é o efeito natural da gravidade sobre o corpo do esportista. Portanto,, em todas as modalidades competitivas profissionais o peso do esportista é um fator decisivo para o bom desempenho atlético.



Para movimentar seu corpo pesado e agir no campo gravitacional o desportista precisa de energia, e a obtém por meio do consumo e da assimilação de nutrientes. Os atletas profissionais estão determinados a realizar altos gastos energéticos em prol de causas bem específicas: a superação de marcas, de distâncias, de adversários ou dos próprios limites do corpo. Portanto, ao mesmo tempo que despendem muita energia precisam consumir alimentos e/ou suplementos alimentares (vitamínicos) para realizar as atividades sem variações excessivas na sua massa constituinte.







Estratégias de controle de peso



Alguns comportamentos ligados ao binômio ‘nutrição x gasto calórico’ são peculiares, e podem ocasionar problemas relacionados ao peso ideal adotado pelos atletas.



O judô é um exemplo de atividade esportiva de alta intensidade em curta duração (queima calórica elevada em curto intervalo de tempo) que exige atenção máxima de praticantes, treinadores e nutricionistas quanto aos procedimentos alimentares dos competidores; bem como estudos aprofundados acerca das relações do desempenho em função das necessidades nutricionais. Não só devido a questões relacionadas ao gasto calórico da prática - considerado alto principalmente nas competições - mas, essencialmente, por sua divisão em categorias de acordo com o peso dos atletas. Esta característica, que objetiva equilibrar as disputas, amplia a importância do fator peso, já que o atleta passa a depender dos números da balança para estabelecer seu nível de competitividade (optar por esta ou aquela categoria é determinante para estabelecer o treinamento apropriado). Enquanto nas modalidades de menor intensidade os desportistas tem problemas com o sobrepeso, normalmente, devido à falta de cuidados nutricionais nas férias, por eventuais exageros ou lesões, no judô (e em outros esportes que tem categorias por peso) o trabalho sobre as medidas é essencial ao planejamento e à execução da própria modalidade.



Neste exemplo, alguns comportamentos ligados ao binômio “nutrição x gasto calórico” são peculiares, e podem ocasionar problemas relacionados ao peso ideal adotado pelos atletas. Apesar da filosofia do judô ter como um de seus princípios utilizar o próprio peso do adversário como técnica de combate, nos tatames a regra parece ser outra. No meio profissional, muitos lutadores mais pesados estão inscritos em categorias inferiores e utilizam como estratégia reduções drásticas de peso nos períodos que antecedem suas competições (no judô as pesagens ocorrem no diada competição). A tática é adotada como método de trabalho onde o atleta se submete, várias vezes ao longo do ano, a regimes rígidos de trabalho físico e disciplina nutricional.



Conforme a nutricionista Janete Neves, da Clínica Esportiva de São Paulo, “a desidratação é o método mais utilizado para estas reduções rápidas”, procedimento que gira em torno da alta ingestão de água (diurético mais eficiente), podendo chegar a 10 litros por dia. Esta tática é associada ao baixo consumo de sódio que, quando abundante no organismo retém líquidos pelo processo de osmose; e ingestão calórica abaixo do gasto energético. A eficácia do processo aumenta se o atleta opta por uma dieta rica em carboidratos (60%), tenta eliminar a gordura do cardápio, reduz o consumo de carnes vermelhas e acelera o metabolismo com refeições periódicas de duas em duas horas. “É uma prática muito comum entre lutadores de NMA (vale-tudo), judô e jiu-jitsu. Geralmente, quem sabe realizar bem este processo acaba levando vantagem nas competições”, afirma Janete.







Uma lição de saúde no judô



“A ansiedade era maior em relação à pesagem do que aos próprios adversários, o que gerava um desgaste muito forte”, Leandro Guilheiro, lutador de judô.



O judoca do Esporte Clube Pinheiros, Leandro Guilheiro de 26 anos, lembra bem do estresse provocado pelas reduções drásticas de peso para as competições, já que alguns de seus melhores resultados no tatame (bronze em Atenas e Pequim e prata no Panamericano do Rio de Janeiro) foram conquistas de competir numa categoria de até 73 kg - abaixo do seu peso médio, hoje 78 kg. As experiências angustiantes da necessidade de emagrecer em curtos períodos de tempo levaram o atleta a mudar de postura. “A ansiedade era maior em relação à pesagem do que aos próprios adversários, o que gerava um desgaste muito forte”, afirma Guilheiro, que considera a prática nociva ao próprio desempenho atlético. “O baixo consumo calórico no período anterior leva a perda da performance, da resistência e da concentração no dia da competição. O atleta submete-se a uma rotina muito rígida nas seis semanas anteriores à prova e os prejuízos para a saúde também são significativos”, avalia o lutador.



De fato, já existem estudos sobre os riscos para a saúde causados por estes ciclos de redução de peso, inclusive abordando a incidência entre judocas brasileiros. No entanto, tal postura não é exclusiva da categoria, tampouco nova no meio esportivo. Estudos sobre distúrbios nutricionais semelhantes em lutadores estadunidenses, por exemplo, já constam nos meios científicos há mais de 30 anos. De acordo com o American College of Sport Medicine, o hábito de ingestão calórica negativa (abaixo do gasto energético) pode causar graves problemas de saúde, tais como: perda de massa muscular, desordem hormonal, diminuição ou falência do ganho de densidade óssea, aumento do risco de fadiga e decréscimo da imunidade. Tal atitude, associada ainda à desidratação como estratégia de emagrecimento, pode desencadear outros distúrbios, entre eles: diminuição do fluxo sangüíneo renal e do volume de filtração sangüínea nos rins, aumento da perda de eletrólitos, piora do estado de humor, redução da função cardíaca e até a interrupção temporária do crescimento. Além disso, está comprovado cientificamente que o desempenho do atleta fica reduzido nestas situações limite de baixa ingestão calórica e alta exigência física. Algumas causas dessa redução são: diminuição dos estoques de glicogênio muscular, redução na taxa de utilização do glicogênio, perda aguda de massa muscular, aumento da acidose muscular, aumento da temperatura corporal e maior dificuldade de termorregulação.







Como agir certo



É preciso respeitar os parâmetros saudáveis para perda de peso, desidratação e índices de massa corporal.



Mesmo sabendo dos riscos, atletas e treinadores sentem-se dispostos e estimulados a tentar tirar vantagem máxima do quesito peso, treinando para competir em categorias inferiores. O que não pode ser considerado errado, desde que um dos princípios básicos do desporto se faça presente: a promoção da saúde do atleta. Por isso, são requisitos básicos a serem levados em conta respeitar os limites adequados divulgados pelos comitês de saúde,pelos gestores competentes das modalidades, bem como pela Organização Mundial da Saúde sobre parâmetros saudáveis para perda de peso, desidratação e índices de massa corporal .



A decisão de Leandro Guilheiro em mudar para a categoria de até 81 kg foi definitiva depois de um episódio curioso: “vi atletas passando por coisas horríveis, como o campeão olímpico em Pequim, o coreano Min-Ho Choi, que em Atenas estava dentro de uma sauna, de agasalho e pulando sem parar, tudo para conseguir passar na pesagem”, conta. Naquela ocasião, Min-Ho Choi acabou a olimpíada em terceiro lugar. Depois disso Leandro optou por não passar mais pelo desgaste físico e mental das reduções sucessivas de peso, alterou sua rotina de treinos e adaptou seus objetivos para preservar a saúde e evitar angústias desnecessárias.



Hoje, o treinamento do atleta está fundamentado no ganho de massa magra, já que ele pesa 78 kg e o limite da categoria é 81 kg, mas a proposta é de um trabalho gradual a médio prazo, com musculação e dieta rica em proteínas (maltodextrina, amido de milho, proteína sintética) para elevar seu peso a 80kg. Claro que a adaptação não passa somente pela alimentação, já que uma categoria quase 10kg mais pesada exige outra postura. “Não é só competir com atletas mais fortes e mais pesados. É uma opção que exige total readaptação do atleta ao próprio corpo, à velocidade e ao gasto energético dos golpes, já que antes eram 73 kg e agora são 80 kg”, resume o judoca. No dia da entrevista, Leandro estava embarcando para três competições duríssimas: o Grand Slam de Paris, a Copa do Mundo de Viena e o Grand Prix de Dusseldorf, novos desafios da nova categoria. Com certeza levava nervosismo e ansiedade na bagagem, mas o medo da balança, nunca mais.
 
Fonte: http://superatletas.com.br/revista-18/nutricao