13 novembro 2017

A farinata (ração humana) pode melhorar a alimentação em SP?

A Prefeitura de São Paulo lançou no início do mês de outubro o programa “Alimento Para Todos”. Dentro dele, apresentou o produto batizado de “Allimento”, com o intuito de ser distribuído para a população carente da cidade. Mas ele ficou conhecido como farinata ou ração humana – e foi o estopim para uma enorme polêmica.
Sua composição, até o momento desconhecida, está baseada no uso de alimentos próximos do vencimento ou fora do padrão de comercialização em supermercados. Eles serão doados à prefeitura por meio da Plataforma Sinergia.
De acordo com a prefeitura, essas comidas serão liofilizadas (submetidas a um processo de desidratação) e transformadas em um “alimento completo”, com proteínas, vitaminas e minerais. A mistura poderá ser oferecida em forma de biscoitos e também usada em pães, bolos e massas.
Apesar de o prefeito João Doria ter comparado o granulado à “comida de astronauta” e alegar que o seu sabor é semelhante ao biscoito de polvilho, o produto, apresentado em um pote com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, foi rapidamente apelidado de “ração humana”.
Conselho Regional de Nutricionistas (CRN-3) se manifestou contra a proposta por entender que a ação fere os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e nega as políticas públicas de combate à fome e à desnutrição, bem como o Guia Alimentar para a População Brasileira. É um total desrespeito aos avanços obtidos nas últimas décadas no campo da Segurança Alimentar e Nutricional.

Contradições e receios por trás da farinata

Várias questões relevantes, sob o aspecto da alimentação e nutrição, são passíveis de análise. A Prefeitura de São Paulo, depois de alegar reduzir itens da merenda escolar para contra-atacar a obesidade, agora lança um programa que objetiva o combate à fome. Ela tira alimentos de verdade… e inclui a farinata.
E mais: de acordo com dados do Ministério da Saúde, não há prevalência de desnutrição em São Paulo. Essas contradições revelam uma incoerência nas políticas públicas adotadas.
O CRN-3 e o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo (COMUSAN) não foram consultados sobre a criação do programa Alimento Para Todos. Assim como o CRN-3, o COMUSAN se manifestou contra o projeto por não estar alinhado às diretrizes que visam facilitar o acesso de toda a população à comida de verdade.

Comida não é nutriente

A alimentação abrange aspectos nutricionais, culturais, étnicos, sociais, regionais, sensoriais, antropológicos, religiosos. Comer é um ato que diz muito do indivíduo. A comida conta uma história, proporciona lembranças, agrega sensações, caracteriza seu modo de vida…
Aí que está: a decisão de alimentar a população não deve ser vista de forma isolada, reducionista, como quem busca apenas nutrir. No longo prazo, não se deve combater a fome com qualquer espécie de ração.
A dignidade das pessoas deve ser garantida por meio do direito ao acesso à comida de verdade, no campo e na cidade. Isso foi preconizado na 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, cujo lema é “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”.
Discutir o acesso ao alimento é fazer da segurança alimentar um direito de fato.
*Fabiana Poltronieri, CRN3-13008, nutricionista, doutora em Ciência dos Alimentos pela USP; Professora da Faculdade das Américas – FAM e Conselheira do Conselho Regional de Nutricionistas 3ª Região.

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